Dr. Elisaldo Carlini: quem foi e seu legado na ciência canábica
23 de setembro de 2020 | publicado em
Formado em medicina pela Universidade Federal de São Paulo em 1957 e mestre em psicofarmacologia pela Universidade de Yale em 1962, Dr. Elisaldo Luiz de Araújo Carlini foi – e continuará sendo – um dos maiores nomes da medicina canabinoide no mundo todo. Precursor dos estudos da Cannabis no Brasil, Dr. Elisaldo Carlini faleceu na última quarta-feira, 16/09, e deixou um grande legado para a ciência, especialmente no que diz respeito ao tratamento de epilepsia com canabidiol (CBD).
Em que consistiu a pesquisa do Dr. Carlini
Suas primeiras publicações na área datam do início dos anos 1960, investigando os efeitos de extratos de Cannabis na composição de ácidos nucleicos nos cérebros de ratos e no comportamento dos animais. Em seus primeiros estudos, Dr. Carlini estava empenhado em investigar efeitos relacionados à agressividade, ao aprendizado, ao medo condicionado, à tolerância aos canabinoides, e à investigação da previsão dos efeitos da Cannabis no homem a partir de modelos animais.
Mas foi no início da década seguinte, há quase 50 anos, que o Dr. Carlini começou a mostrar ao mundo algo o que alguns consideram uma de suas maiores contribuições para a área: a ação anticonvulsivante do canabidiol, ainda em ratos. Em trabalho publicado em 1973, Dr. Carlini e sua equipe atestaram que “dada a ausência de alucinações ou efeitos tóxicos no homem, somada à ação anticonvulsivante observada em animais, seria válido um ensaio clínico do CBD para o tratamento de epilepsia”.
Dr. Carlini seguiu em frente. Em meio a estudos de outros extratos de plantas e substâncias psicoativas, passou a investigar as interações entre THC, CBD e outras drogas, seus efeitos relacionados ao sono REM, e a administração crônica dos canabinoides em seres humanos. Em 1980, Carlini e equipe publicaram um estudo duplo em seres humanos, em que a fase I consistia em administrar CBD em voluntários saudáveis para checar sua segurança e tolerabilidade. Com os resultados iniciais, partiram para a fase II, administrando CBD para oito pacientes com epilepsia. O tratamento somente não se mostrou efetivo para um deles, e todos toleraram bem as doses de 200 a 300mg de CBD por dia. Apesar do baixo número amostral, ambas as fases foram controladas por placebo.
Qualidade de vida para pacientes com epilepsia
A partir de 1982, a consulta ao currículo Lattes do Dr. Carlini não retorna outras publicações com o nome “Cannabis” ou derivados. Se ainda hoje encontramos resistência para realizar pesquisas acadêmicas com canabinoides, há 40 anos as políticas de repressão às drogas eram massivas no mundo todo e dificultavam ainda mais financiamentos e publicações. Ademais, pouco se conhecia sobre o sistema endocanabinoide que, quando descoberto, próximo aos anos 1990, reanimou pesquisadores e seus esforços na área. Por isso, o brilhante trabalho do Dr. Carlini e de sua equipe ficaram engavetados por mais de 30 anos, até que a súplica de milhares de famílias veio à tona.
Depois de tentarem diversas alternativas, as famílias de pacientes com epilepsia passaram a exigir o direito de serem tratados com derivados na Cannabis. Se hoje o acesso no Brasil é, de certa forma, facilitado, grande parte dessa conquista é devidas a famílias igualmente pioneiras, como a da paciente Anny Fischer, portadora da síndrome CDKL5 (sugestão: assista ao documentário Ilegal), no Brasil; e a da Charlotte Figi, portadora de síndrome de Dravet, nos EUA, que viram em trabalhos como o do Dr. Carlini um sopro de esperança para tentar amenizar suas crises convulsivas.
Embora o mundo esteja se movimentando no sentido de uma flexibilização do uso medicinal da Cannabis, é dever da sociedade como um todo – médicos, pesquisadores e toda a comunidade – manter viva sua essência e dar continuidade à ciência marcada pelo pioneirismo de nomes como o do Dr. Elisaldo Carlini, que se dedicou a orientar trabalhos acadêmicos, ministrar palestras e lutar pela causa que sustentava até o final da vida. Não foram poucas as objeções que sofreu ao longo de sua carreira, tendo sido, inclusive, intimado a depor à polícia, aos 87 anos de idade, sob a acusação de apologia às drogas por ter organizado um congresso científico sobre esse tema.
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Escrito por Gabriel Barbosa – Supervisor de P&D e Assuntos Regulatórios da HempMeds.