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Entenda o Projeto de lei que aborda os produtos derivados da Cannabis

Nas últimas semanas, o Projeto de Lei (PL) 399/15, que dispõe sobre o marco regulatório da Cannabis no Brasil, voltou à discussão no Congresso Nacional. Desde sua concepção, o texto do projeto já passou por diversas alterações advindas de emendas e discussões feitas entre parlamentares, médicos, pacientes e pesquisadores, incluindo opositores e favoráveis.

A apresentação do relatório final do substitutivo ao PL 399/15 está marcada para o dia 8 de junho, dia em que também poderá ser votado se tudo correr como o esperado. A apresentação será feita pelo deputado relator, Luciano Ducci (PSB), na Comissão Especial da Câmara, e será presidida pelo presidente da comissão, o deputado Paulo Teixeira (PT).

O debate é sempre acalorado. Só de ter sido colocado em pauta na Comissão Especial o tema gerou muitos posicionamentos contrários, sempre marcados por desinformação. Afinal, o que de fato é abordado pelo projeto?

Principais disposições

A proposta pretende ampliar o acesso aos produtos derivados de Cannabis no país, permitindo não apenas o cultivo em território nacional para fins medicinais, mas também a exploração para fins científicos e industriais, incluindo uso veterinário e gêneros alimentícios, desde que feito por pessoa jurídica ou associação de pacientes. Para isso, ainda será necessário ter autorização dos respectivos órgãos governamentais competentes para cada área, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no caso da produção de medicamentos, ou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) no caso de uso veterinário ou industrial.

Os teores de tetrahidrocanabinol (THC) das plantas de Cannabis comercializadas precisarão ter certificação, como já acontece em outros países onde o cultivo é regulamentado. Não haverá limites para o teor deste canabinoide, mas as plantas serão enquadradas em categorias distintas a depender dos seus níveis. Plantas chamadas de “cânhamo industrial” poderão ter até 0,3% de THC. Já as plantas classificadas como “Cannabis medicinal” com menos de 1% de THC serão consideradas “não psicoativas”, e teores acima deste valor as renderão a classificação como “psicoativas”. Os locais de cultivo, que não poderão ter identificação em sua parte externa, terão que dispor de controle rigoroso de acesso.

A necessidade da prescrição médica para ter acesso aos tratamentos será mantida, portanto não espere encontrar produtos sendo vendidos em qualquer loja de conveniência como nos EUA. Continuarão sendo disponibilizados apenas em farmácias e drogarias do país, mas também amplia a possibilidade de atuação de farmácias de manipulação, com a adição de que não haverá restrição para qualquer forma farmacêutica. O controle de preço e publicidade ficará sob responsabilidade da Anvisa.

Permissões

Entre as principais mudanças que a proposta quer implementar, destacamos a permissão para que farmácias vivas do SUS cultivem e processem plantas de Cannabis medicinal para fins de elaboração de produtos magistrais ou oficinais fitoterápicos.

O projeto também pretende regulamentar o uso veterinário, algo que ainda não havia sido previsto pelo MAPA, além da produção e comercialização de produtos fabricados a partir do cânhamo industrial, como cosméticos, produtos de higiene pessoal, celulose, fibras, dentre outras muitas aplicações dessa planta altamente versátil.

As associações de pacientes sem fins lucrativos também ganham voz. Há um anexo dedicado exclusivamente às regras para o cultivo, manejo e processamento por essas entidades. A crítica por parte desse setor tem sido na alta exigência técnica e organizacional que precisariam ser seguidas, o que inviabilizaria a atuação de muitas associações com menor poder aquisitivo e estrutura.

Não podemos deixar de ressaltar, ainda, que a permissão de cultivo em território nacional traz um cenário motivador em um contexto muito mais amplo. Atualmente, todos os produtos de empresas, não somente os importados excepcionalmente pela RDC 335/2020, mas também os produtos vendidos nas farmácias pela RDC 327/2019, necessitam de insumo importado, criando uma alta dependência do mercado externo e da variação cambial. É extremamente importante que nos tornemos independentes neste cenário, ainda mais sendo o 3º maior exportador agrícola do mundo. A dependência de insumos estrangeiros na indústria farmacêutica, no entanto, não é exclusiva desse mercado. Mais de 90% dos insumos utilizados na fabricação de medicamentos de qualquer classe vem de fora, um entrave que tem sido escancarado no contexto da fabricação de vacinas para a Covid-19, impossibilitando a produção em larga escala.

Oposição

O objetivo do projeto não é não ter controle sobre cultivo e produção, mas sim regulamentar para que os produtos derivados da Cannabis possam chegar às famílias que necessitam deles com qualidade e com preços mais acessíveis, além de expandir a aplicação para outras indústrias. Considerando o crescente aumento no número de nações que tem regulamentado ações nesse sentido, não parece ser nada de outro mundo, certo?!

Ainda assim, não faltam opositores ao projeto. Seus argumentos são carregados de preconceito, conservadorismo e fundamentalismo. Afirmam que um projeto como esse tem objetivos escusos, e que uma eventual liberação de produção no país promoveria a destruição das famílias pela liberação de uma “droga com potencial tão destrutivo”. Argumentos como esses são claramente deturpados, afinal, trata-se de produtos que já são utilizados para tratamento de saúde no país após devida avaliação e prescrição médica, porém a um custo muito mais elevado do que poderia ser devido à dependência de outros países. É fato que o projeto pretende ampliar a utilização industrial, que ainda não era prevista no país, mas que nada tem a ver com o que os opositores pregam.

Depoimentos

Com as discussões em alta sobre o tema, alguns testemunhos de políticos favoráveis ao uso medicinal da Cannabis ganharam destaque. O deputado federal, Daniel Coelho, de Pernambuco, relatou as melhoras na qualidade de vida da esposa, que faz um tratamento contra o câncer:

“Há dois anos, minha esposa faz um tratamento de quimioterapia e por muito tempo ela teve que abdicar de suas atividades de mãe e suas atividades profissionais como nutricionista. De alguns meses para cá, amparada numa liminar – e com um custo altíssimo, que graças a Deus nossa família pode pagar – ela começou a utilizar o óleo de Cannabis”, contou o parlamentar, que descreveu os benefícios notados pela família:

“Após o uso do óleo de Cannabis, ela diminuiu o uso de corticoides, parou de enjoar e vomitar, e passou a ter uma vida normal. O que estou dizendo é um exemplo da minha casa, onde nossa família resgatou sua dignidade e nossa possibilidade de viver em conjunto, da mãe sair da cama e poder ter uma vida normal. E a gente está fazendo aqui esse debate, e muitos estão tentando usar essa discussão para ganho eleitoral, porque, claro, falar em legalizar maconha, a maioria da população é contra”, criticou. Assista na íntegra a fala do deputado na comissão especial da Câmara clicando aqui.

Quem também viralizou com um relato familiar foi Dilma Roussef. A ex-presidente do país citou o caso de sua mãe, Dilma Jane da Silva, que fez o uso do medicamento para tratar de dores crônicas após ter sofrido um AVC isquêmico:

“Conseguimos propiciar à minha mãe um último ano de vida, sem dor, com dignidade, por meio do uso do óleo de Cannabis medicinal”, afirmou. Veja o depoimento completo.

 

Escrito por Gabriel Barbosa – Supervisor de P&D da HempMeds Brasil.