Escolhi o tema para escrever neste mês por várias razões. Primeiro, conheci uma paciente que convive com a endometriose há mais de 20 anos e me descreveu a sua trajetória de sofrimento e, mais que isso, a vontade de transformar sua experiência e dor em conhecimento e ação para ajudar outras mulheres com a mesma doença. Recordei da minha própria experiência com a endometriose e, por que não falar sobre ela? Me acompanhe neste tema para conhecer porque a endometriose pode estar tão presente e afetar negativamente o universo feminino nos seus melhores anos da juventude e vida adulta, além de seus principais tratamentos. Serão três textos sequenciais abordando: primeiro, o que é a doença, sua prevalência, seus sinais e sintomas; segundo, a endometriose e a possibilidade de infertilidade feminina; e, terceiro, endometriose e os tratamentos atuais, quando o uso de Canabidiol (CBD) pode ser um grande aliado.
Se por um lado há muitas mulheres sofrendo com as dores e incômodos causados pela endometriose, há outras tantas que desconhecem a doença. Essa condição aparece muito cedo na vida feminina, com as primeiras menstruações, mas demora para ser detectada e diagnosticada como tal, implicando diretamente na qualidade e até mesmo na trajetória de vida da mulher.
No estado saudável, a cada mês, a parede interna do útero denominada endométrio dobra de espessura com o objetivo de acolher o óvulo fecundado e dar lugar à gestação. Esse tecido é formado por glândulas endometriais e um tecido de sustentação chamado estroma com muitos vasos sanguíneos. Caso a fecundação não ocorra, o óvulo é descartado e a camada espessada do endométrio descama e é expelida através do canal vaginal como menstruação. Esse ciclo se repete mês a mês, naturalmente.
No processo da endometriose, parte do produto endometrial que será expelido como menstruação segue um caminho diferente, retrógrado, passando pela parte superior do útero, tubas uterinas e cavidade abdominal, podendo ficar retido em cada um desses lugares ou se aderir em outros órgãos do abdome como os intestinos, parede externa do útero ou ovários e o peritônio (acúmulos escuros indicados na figura acima). O tecido do endométrio fixado em locais errados passa a ser chamado de ectópico e inflama com as variações hormonais típicas do ciclo menstrual feminino. Quando o hormônio estrógeno atua nessas lesões ectópicas, faz com que se proliferem e produzam substâncias próprias da inflamação, os chamados mediadores inflamatórios, especialmente a prostaglandina E2 e aumentam o estresse oxidativo, favorecendo o crescimento e a sustentação do tecido ectópico endometrial.
Nessa condição, a parede endometrial uterina também passa a ser ainda mais estimulada, o que aumenta a sua espessura e o volume de menstruação a cada mês.
O resultado disso tudo são sintomas bem característicos: dismenorreia, ou seja, dor no período menstrual ou de 2 a 3 dias antes; menstruação irregular; dor na região pélvica descrita como cólica menstrual acompanhada de náuseas e vômitos; dores durante as relações sexuais; dor ao defecar ou urinar; fluxo menstrual abundante; constipação ou diarreia; fadiga e exaustão; infertilidade. As dores tendem a ser mais intensas com o passar do tempo e nem todos os sintomas descritos acima precisam estar presentes.
Como citei no início, fui diagnosticada com endometriose. Tinha 30 anos e com uma história de cólicas intensas todo mês desde os 15 anos. Estava à procura de um diagnóstico e um tratamento, pois a condição tirava de mim uma semana a cada mês. Até então o que ouvia dos especialistas com os quais havia me consultado era de que “meu organismo era assim” e eu só poderia aceitar a minha condição e me arranjar com fortes analgésicos quando as dores chegassem.
Diversas teorias sobre a etiopatogênese da endometriose (origem e desenvolvimento da doença) apontam para um processo multicausal, envolvendo fatores genéticos, anormalidades imunológicas e disfunção endometrial. A detecção precoce é difícil.
A doença pode ser classificada como leve, moderada ou grave baseado nos achados operatórios como número de lesões e suas localizações, sendo divididas em superficial, ovariana, profunda, de septo reto-vaginal, de parede e pulmonar (esta última, a mais rara de todas).
É diagnosticada quase que exclusivamente em mulheres em idade reprodutiva (13 a 45 anos). Mulheres após a menopausa representam somente 2% a 4% de todos os casos submetidos à laparoscopia* por suspeita de endometriose. Como não há correlação entre sintomas e gravidade de doença, e como para confirmação diagnóstica é necessária a realização de um procedimento invasivo – laparoscopia – a determinação da prevalência é difícil. Exames como ultrassonografia (US tradicional ou transvaginal) como as mulheres estão acostumadas a realizar não ajudam nessa condição.
Estima-se uma taxa de prevalência em torno de 10%, sendo que, em mulheres inférteis, esses valores podem chegar a índices tão altos quanto 30% a 60%, já em adolescentes submetidas à laparoscopia por dor pélvica crônica, houve prevalência de 62%. No Brasil estima-se seis milhões de mulheres com endometriose.
A ocorrência de dores e incômodos frequentes tiram a liberdade da mulher. As cólicas intensas durante o período menstrual requerem várias idas ao pronto socorro para uso de analgésico endovenoso, pois um comprimido não resolve uma dor tão forte. O volume do fluxo menstrual limita a mulher para a realização das tarefas diárias como atividade física, uma ida à praia ou aproveitar um banho de piscina. A possibilidade de infertilidade pode definir a descontinuidade da relação de um casal. Sendo assim, é uma condição patológica que merece atenção, necessita de diagnóstico precoce, conhecimento por parte dos especialistas e acompanhamento adequado. A informação é o início da história e o apoio à mulher diagnosticada com endometriose faz parte do seu fortalecimento!
Não perca o próximo post no blog onde tratarei da relação entre a infertilidade feminina e a endometriose.
*Laparoscopia = exame em que duas ou três sondas são inseridas na cavidade abdominal através da pele a fim de cauterizar (“queimar”) as lesões endometriais.
Escrito por Dra. Adriana Grosso
Medical Science Liaison, MSL na HempMeds Brasil.
Referências
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